Como as democracias morrem - Steven Levitsky e Daniel Ziblatt
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. (e-book)
Geralmente não gosto de ler livros que estão na crista da onda. Posso até comprá-los e ler tempos e tempos depois. Mas com esse foi diferente, quis ler logo no calor da onda e dos comentários. Me intrigava muito, ler comentários, resenhas e impressões de leitura de pessoas dos mais diferentes espectros de pensamento, de história de vida, mas todas eram unânimes em afirmar que o texto não era premonitório, ao contrário, estava ali, nos mostrando os fatos em pleno acontecimento. Então me dispus a ler para saber o que estava por detrás desse texto. Percorro o livro pelos seus capítulos, deixando os pontos centrais demarcados, e ao final, deixo um breve pensamento sobre a leitura do livro.
Prefácio
Os autores situam a obra e discorrem sobre as democracias presentes no mundo
mais recentemente. Destaque para o ano de 1985, no qual existiam 42
democracias, onde moravam 20% da população mundial. Essa maré democrática
motiva o estudo da qualidade e a desempenho desses governos. Traz uma pergunta:
democracias tradicionais entram em colapso? Essa questão e o propósito do livro
advêm da eleição de Donald Trump. Os autores utilizam, por exemplo, as normas
que regem o basquete de meia quadra nos EUA, o que achei bem interessante,
apesar de não entender nada do esporte.
Um trecho que me
chamou atenção foi esse aqui: "Apesar de suas enormes diferenças, Hitler,
Mussolini e Chávez percorreram caminhos que compartilham semelhanças espantosas
para chegar ao poder." Os autores passam por esses líderes e seus governos
para situarmos no que será o cerne do livro.
Já o capítulo 1 que trata das Alianças
Fatídicas nos mostra ao longo da história mundial e focando na americana como
as alianças vão sendo costuradas com o intuito da chegada ao poder, e lembrando
que esses governos chegaram lá por vias eleitorais. Lembra-nos que outsiders
políticos como Hitler, Fujimori e Chávez chegam ao poder dessa forma: via
eleições ou alianças com figuras políticas de grande vulto. Reafirma que essas
alianças fatídicas não se restringem à Europa do entre guerras, mas nos
explicam a ascensão de Chávez, por exemplo.
Mas nem todas as
democracias caem nessa armadilha, os autores citam como exemplo, Bélgica,
Grã-Bretanha e Finlândia que enfrentaram essa ameaça e não deixaram que
ascendessem ao poder. Um trecho que ilustra essa parte e que gostei bastante,
diz: “Se o povo abraça valores democráticos, a democracia estará salva”.
No segundo capítulo Guardiões da América,
os autores fazem um passeio pela história americana nos mostrando o sistema
eleitoral a partir dos anos 40, explicando a função dos colégios eleitorais e
como eles poderiam impedir a ascensão de outsiders da política. Porém, no caso
de Trump não adiantou, pois ele tinha dinheiro e conseqüentemente conseguiu uma
ótima exposição, facilitando assim seu apelo ao povo que decidiu votar nele.
Cita ainda o livro Complô contra a América do Roth (quero ler), que se baseia
em acontecimentos históricos reais para imaginar como poderia ter sido o
fascismo nos EUA pré-guerra.
O colégio eleitoral
nos EUA é o guardião da democracia - lembrando que houve uma "falha"
com a eleição de Trump, e ao mesmo tempo é paradoxal, pois foi a vontade
popular. Vai discorrendo sobre Hitler e as eleições na Alemanha, a retirada do
Ford do processo de eleição presidencial americana, por ser um outsider.
O capítulo 3, de título A grande
abdicação republicana, conta a trajetória da escolha de Trump como candidato e
como se deu a oposição tanto de democratas quanto republicanos à escolha dele
para concorrer à Casa Branca. Vão delineando os caminhos, e como as pessoas não
admitiam que um outsider pudesse sim ser o novo presidente dos EUA.
Subvertendo a
democracia é o título do quarto capítulo, no qual os autores fazendo um
panorama de governos eleitos democraticamente se tornaram autocráticos e/ou
ditatoriais, como nos casos de Turquia (Erdogan), Rússia (Putin), Venezuela
(Chávez), Equador (Rafael Correa), Peru (Fujimori), Argentina (Perón), Malásia
(Mohamad) e Hungria.
Aponta como um
exemplo mais impressionante, o caso americano, através da reescrita das regras
para consolidar uma vantagem autoritária, nos anos de 1870. Mostrando as
estratégias utilizadas para conseguir maioria de votos sem parecer retirada dos
direitos estabelecidos, dessa forma, a maioria branca pode votar em peso,
atendendo dessa forma aos anseios de quem quer o poder.
Porém,
a questão permanece: é tão fácil destruir as instituições democráticas?
As
grades de proteção da democracia, título do capítulo 5, traz questões chaves de como certas oposições podem
contribuir para a construção de um governo autoritário, através de um jogo duro
institucional. Dificultando governos eleitos democraticamente, pode levar a um
abismo sem fim esses governos. A oposição é saudável na democracia, mas há
aspectos que devem ser considerados. Como no caso em específico quando os
autores tratam de duas questões centrais: reserva institucional e tolerância
mútua. Citam vários exemplos inclusive Allende no Chile. Pra pensar de que
forma isso pode afetar várias e várias gerações.
Já em As regras não escritas da política norte-americana no capítulo 06, vários destaques nos faz
pensar que o país que hoje conhecemos não foi toda vida assim:
“A república americana não
nasceu com normas democráticas fortes”, demonstra que é preciso construir um
regime democrático dia após dia."
Por exemplo, “Em sua obra-prima de dois
volumes A comunidade americana, o estudioso britânico James Bryce escreveu que
não foi a Constituição dos Estados Unidos em si que fez o sistema político
norte-americano funcionar, mas antes o que ele chamou de “costumes”: nossas
regras não escritas”. Diversos fatores contribuíram para o estabelecimento de
normas não escritas, mas que faziam a república americana funcionar, uma delas,
diz respeito à questão racial: “A exclusão racial contribuiu diretamente para a
civilidade e a cooperação partidárias que passaram a caracterizar a política
norte-americana no século XX.”
Dessa forma, temos que As normas democráticas
dos Estados Unidos, portanto, nasceram num contexto de exclusão. Interessante
observar como se deu o acordo de cavalheiros em prol do bem comum de uma nação.
Mas que sabemos que nem sempre será assim, pois onde há poder, há disputas
acirradas.
Esse é
um dos aspectos gerais do capítulo que se chama A desintegração, e se
trouxermos para o caso brasileiro, mesmo no período pré regime militar e depois
desde a redemocratização, veremos muitas similaridades.
Trump
contra as grades de proteção, título do oitavo
capítulo, mostra nitidamente o que aconteceu lá, o motivo e também pelo
mundo a expansão de modelos de eleitos cumprindo essa agenda de deslegitimar a
imprensa, os órgãos de controle e o judiciário, os trazendo para o seu lado, no
livro os autores chamam de lealistas para que só a voz do presidente seja
ouvida, que a imprensa é fabricante de fake news (termo cunhado por Trump), e
que somente o que o presidente fala é a verdade. Exonerações, perseguições à
veículos de imprensa são práticas comuns para aqueles que quebram as regras não
escritas da política e ainda fazem o jogo duro político de obstruções à pautas
de interesse dos cidadãos.
O
nono capítulo Salvando a democracia, concluí esse documento que foi escrito,
fruto de pesquisas no calor dos acontecimentos, nos mostrando um panorama
excelente das questões que podem ocorrem em governos eleitos democraticamente,
mas que ao longo do seu governo, podem se tornar autocratas e/ou ditatoriais.
Os sinais que uma democracia pode estar indo para a morte ou sucumbindo entre
altos e baixos e finaliza dizendo que mesmo a democracia norte americana que
tem um sistema mais robusto e antigo, não está imune a perigos de morte da
democracia.
Um comentário geral que posso deixar para aqueles que queiram ler o livro, é que sempre devemos questionar, mas também refletir sobre a organização da democracia e suas fragilidades e forças. A democracia não é uma entidade sobrenatural e uma divindade a ser adorada cegamente sem questionamentos e modificações para que seja ampla e irrestrita. Que possamos fortalecer a cada dia a democracia em nosso país, pois como diz bem essa frase:
"A democracia é um empreendimento compartilhado. Seu destino depende de todos nós."
Por Letícia Alves
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