Sonhos que aprisionam...
“Havia na minha casa, até uns dias atrás, uma travessa cheia
de pedras”.
Elas eram de cores, tamanhos e formatos diferentes. Tinham em comum
o fato de haverem sido coletadas em viagens. Se eu estivesse num lugar
especial, procurava uma pedra bonita e a metia no bolso. Mais tarde, de volta
em casa, juntava o item novo à coleção. Haveria, talvez, umas 30 pedras na
travessa. Na semana passada, preparando a casa para uma reforma, disposto a
recomeçar a vida, decidiu que era hora de me livrar de coisas que eu vinha
acumulando desnecessariamente há pelo menos 10 anos. Rodaram roupas, objetos,
revistas, livros e, claro, as pedras. Mas não foi fácil. Cada vez que eu punha
uma coisa de lado, com a disposição de me livrar dela, algo me incomodava
profundamente. Havia uma dor ali, ou várias dores diferentes.
As pedras eram
partes do passado que, de alguma forma, eu tentava agarrar e materializar. Os
livros, vários que eu nunca tinha lido, representavam uma inquietação pelo
futuro: agora eu nunca saberia o que há dentro deles. As roupas, muitas delas
sem usar a anos, ficavam me acenando do chão, empilhadas, com as situações que
haveriam de vir e nas quais eu sentiria falta delas. O nome desse sentimento
inquietante é apego. A gente se agarra às coisas, como se agarra às pessoas e
às ideias. Na verdade está tudo entrelaçado. As coisas representam pessoas, que
nos remetem a sentimentos e ideias. Ou representam sentimentos e ideias, que
nos lembram de pessoas. Qualquer que seja a ordem, esse sentimento é um fardo.
Tentando reformar e recomeçar, tentando reiniciar a vida, a gente percebe como
é difícil deixar as coisas para trás. Inclusive os sonhos e os planos, por mais
banais e genéricos que sejam.
Assim como nos apegamos a livros que nunca lemos,
ou CDS que nunca ouvimos também nos apaixona por coisas que nunca vivemos e
gostaríamos de viver, embora não sejamos capazes de explicá-las ou defini-las.
Essa forma de apego é vaga, mas tem uma força brutal sobre as nossas ações. A
esperança de viver coisas espetaculares (mas indefinidas) no futuro impede que
a gente se mova no presente.
Ela leva, por exemplo, algumas pessoas a protelar
indefinidamente relações afetivas duradouras. Elas não conseguem renunciar ao
sonho de perfeição do conto de fadas ou abrir mão das possibilidades eróticas
oferecidas por um planeta com seis bilhões de pessoas. Isso equivale à
dificuldade de jogar fora um DVD que nunca foi visto. É apego pelo
desconhecido. Tenho a impressão de que esse sentimento pelo futuro é o maior
obstáculo à mudança na nossa vida. O passado é uma entidade com peso e
qualidade definidos. Lidamos com ele todos os dias. Desapegar não é simples,
como mostra a minha coleção de pedras, mas pode ser negociado, como sabem os analistas.
Memórias podem ser reavaliadas, experiências podem ser diluídas no tempo.
Podemos chegar à conclusão que sobreviveremos ao grande amor e ao grande trauma
- e com algum pesar, por um e por outro, somos capazes de enterrá-los em alguma
medida. O futuro é outra história. Nele residem todas as nossas expectativas.
Depositamos neles nossas aspirações práticas e subjetivas. Em direção a ele
arremessamos os nossos desejos não realizados, a redenção das nossas
frustrações. No futuro encontra-se a pessoa que desejamos ser. A felicidade
mora lá e nos assombra como um fantasma a cada minuto da nossa vida.
Não saberíamos viver sem ela. Seria desumano. É contra essa
esperança enorme, avassaladora e perniciosa que temos de lutar todos os dias
para tomar conta da nossa vida. Não basta olhar para trás e se livrar das
coleções de pedras. Ou das roupas velhas. Para começar de novo, em qualquer
idade, temos de jogar fora os sonhos embolorados e as ilusões.Precisamos nos
livrar do futuro sem rosto que nos assombra. É provável que a felicidade, como
coisa duradoura, não exista. Mas, se ela pode ser encontrada em algum lugar,
ainda que de forma fugidia, é no presente. Para enxergá-la, precisamos estar de
olhos bem abertos, livres das sombras do passado e das luzes que cegam no
futuro. Não é fácil, mas quem disse que a vida é simples?"
Autoria: Ivan Martins
Comentários
beijos querida.
tem você no meu blog.. ;)
beijos amigaa!!
Vim te visitar atraves do blig da querida Ingrid.
Bj Sandra
www.projetandopessoas.com.br